Na virada do século XIX para o XX, eclodia em Paris um
notável movimento artístico, o Simbolismo, que vai beber no esoterismo e na
espiritualidade no afã de estabelecer uma ligação concreta entre as manifestações
artísticas e as verdades essenciais veladas pelo Ocultismo. As livrarias
parisienses tornam-se verdadeiros bastiões dessa nova estética e nelas se reúnem
artistas que comungam desses mesmos ideais. Uma delas, a L’Art Indépendant, de Edmond Bailly, tem entre seus ilustres
frequentadores os pintores Edgar Degas, Henri Toulouse-Lautrec e Odilon Redon,
os místicos Augustin Chaboseau, Papus, Stanislas de Guaita e Joséphin Péladan,
o músico Érik Satie e os poetas Stéphane Mallarmé, Pierre Louÿs e Victor-Émile
Michelet. É precisamente Michelet quem nos diz, a respeito do compositor Claude
Debussy, que “podendo se expressar
livremente na livraria, Debussy deixou-se impregnar profundamente pela
filosofia hermética (inclusive por antigas teorias egípcias de magia e
alquimia)”.
Debussy,
o grande nome da música naquela virada de século, não ficou portanto refratário
a esse movimento. Tendo um interesse muito grande pelo ocultismo e por cabala
(conforme atesta sua correspondência com Maurice Bouchor), estabeleceu laços de
amizade com muitas dessas personalidades, notadamente com a célebre ocultista
Emma Calvé. É ela possivelmente quem leva o compositor ao cabaré Chat Noir (Gato Negro) – que era
frequentado por, entre outros, Alfons Mucha e Camille Flamarion –, onde ele
virá a conhecer Érik Satie. O primeiro contato de Debussy com o Rosacrucianismo
parece datar da época de sua ida a Roma, onde permaneceu por pouco mais de um
ano após ter ganho o prestigioso Prix de
Rome. De lá, diz-nos o biógrafo Edward Lockspeiser, ele pede a Emile Baron
que lhe envie revistas simbolistas e a Rose+Croix,
editada pelo cabalista Albert Jounet.
É
precisamente no princípio dos anos 1890 que, junto com Satie, Debussy se
iniciará no movimento rosacruz estabelecido por Joséphin Péladan. Também data
dessa época a sua colaboração musical com o ocultista e dramaturgo Jules Bois e
com Villiers de l’Isle-Adam, outro frequentador da L’Art Indépendant e autor da peça Axel, de contornos rosacruzes, sobre a qual Debussy esboçará uma
ópera. Em Axel, peça que Michelet
deriva de Dogma e Magia Ritual, de
Éliphas Lévi, abundam as referências ao pantáculo e à proporção áurea, que
encontraremos em muitas composições de Debussy, notadamente na virtuosística L’Isle Joyeuse e no célebre Clair de Lune. Roy Howat, autor de um
magnífico estudo sobre Debussy e a proporção áurea, relata que uma das novelas
de Péladan, Le Panthée, cujo
personagem principal é um compositor que trabalha constantemente em sua
“Sinfonia de Ouro”, inspira-se na relação do autor com Debussy e Satie.
Mesmo
após romper com Péladan, é provável que Debussy tenha continuado discretamente
seu envolvimento com o mundo do misticismo. À parte alguns relatos altamente
controversos que dizem que ele teria sido Grande Mestre de uma [pseudo]-ordem
chamada Priorado de Sião, a soprano
inglesa Maggie Teyte, amiga do compositor, relata que em 1907, quando ela o
conheceu, “ele ainda estava envolvido em atividades esotéricas, incluindo
Egiptologia esotérica”. Além disso, o compositor e ocultista inglês Cyril Scott
afirma que Debussy teria inconscientemente reproduzido em sua obra,
através da música javanesa e por influência dos “Altíssimos”, cantos templários
dos atlantes, sobretudo no segundo de seus Noturnos
para orquestra: Fêtes.
Se por um lado Debussy efetivamente não chegou a
produzir nenhuma obra intencionalmente esotérica, é evidente que seu pensamento
musical e alguns de seus ideais artísticos e humanos estavam embebidos de uma
filosofia superior, que se não chegou a manifestar-se plenamente em sua vida
pessoal, foi apenas por força de um caráter impulsivamente independente e por
vicissitudes de sua existência material. Lembremos que ele chegou a defender a
ideia da criação de uma “Sociedade de Esoterismo Musical”. Seus ideais, assim
como sua criação artística, jamais se curvaram às necessidades materiais e
nunca fizeram concessão ao gosto popular mediano ou àquilo que fosse
simplesmente medíocre.
– RAUL PASSOS